............................. Ele...(ou Ela...)

 

 

Ele já não vivia. Deambulava, deambulava, perdido num mar de gente.

O seu ser era percorrido por paixões e anseios tão violentos que a morte seria um bem para ele.

Ele sabia que era livre, livre, pois qualquer um é tão livre que pode acabar quando quiser com o martírio em que vive. O suicídio já lhe tinha passado pela cabeça em tempos precoces do seu desenvolvimento. Mas agora, não. Já tinha endoidecido várias vezes. Mas, nesta altura, sabia que não poderia endoidecer mais. Isso ou a morte seriam a machadada mais profunda que poderia dar aos seres que faziam dele um joguete. E não queria dar-lhes o prazer de terminarem esse jogo em que ele era uma peça que, embora sem valor, poderia ser decisiva.

E agora era fácil. Não tinha medo de nada. A última barreira do medo tinha sido vencida. Sabia que, de facto, endoidecer seria um bem para ele. Mas perderia uma boa parte do jogo. Precisava de dormir, mas não podia. É horrível estar cheio de sono e não conseguir dormir. O corpo quer, mas o espírito não deixa. E o espírito dele era cada vez mais forte. Já tinha aprendido muito, mas queria aprender muito mais.

Então drogava-se. Mas que género de droga? Embora bebesse o seu corpo detestava o álcool e tinha nojo e inveja dos borrachões que encontrava. Como os percebia bem e sabia que eles tinham encontrado um meio de se libertarem! Drogas como a cocaína e similares metiam-lhe impressão. Mas sabia que poderia ser outro meio de evasão. Mas ele não queria perder a noção do jogo em que o tinham metido. Aos seres asquerosos que o manipulavam não poderia dar esse prazer.

Então tomava doses maciças de comprimidos para dormir. Ele sabia que tinha ao seu alcance o meio de terminar o sofrimento da humanidade.

Mas quem comandava o jogo não era ele. Um deus dizia-lhe que sim e um diabo dizia-lhe que não. Ou seria o contrário??? O contrário sim, pois deus e o diabo não são mais que um único ser. Um corpo único com uma única alma.

Terminar o sofrimento da humanidade seria um bem ou um mal? Nem os que com ela jogam sabem. Por um lado parece bom, mas por outro lado só o maior sofrimento pode ensinar as bestas humanas. E depois deus diz que sim, mas o diabo diz que não têm o direito de interferirem na vida de ninguém. Ou será o contrário???...

De qualquer maneira já interferiram e não poderão mais deixar de interferir, pelo menos para remediarem todo o mal que fizeram. A única coisa que, de momento, não podem deixar fazer é que as bestas humanas destruam o planeta em que vivem. Não que isso trouxesse algum mal às bestas humanas!!! Mas poderia afectar uma galáxia. E se deus e o diabo já têm muitos problemas, então os problemas aumentariam incomensuravelmente.

A única solução é porem-se de acordo e terminarem um jogo que talvez esteja empatado.

Mas, pelo menos, conseguiram criar um ser superior que os despreza. Sim, deus e o diabo não são mais que seres asquerosos. Não tinham o direito de interferirem na vida dele. Dele e de todas as outras bestas humanas.

Mas agora ele sabia-o e não poderia dar-lhes o prazer ou a raiva de um deles perder um jogo que estava empatado. Ele, por muito mais que sofra, não endoidecerá e só morrerá quando chegar a sua hora que nem ele, nem deus, nem o diabo poderão controlar.

Se deus ou diabo estiverem em letras maiúsculas foi erro da edição, ou defeito do hábito, pois nenhum deles merece tal privilégio. Mas os maus hábitos das bestas humanas são muito difíceis de corrigir.

A interferência imperdoável dos seres superiores transformaram este planeta que era um inferno suportável num inferno intolerável. A duração deste inferno será muito curta, mas seria preferível que fosse normal. Tal qual a natureza o entendesse. Um pai, ao interferir na vida dum filho, cria laços de amor ou ódio tão profundos que os separam do resto da humanidade.

E enquanto a humanidade estiver dividida ninguém tem o direito de dizer que somos todos irmãos. Só bestas humanas, mas enfim, perdoáveis pela sua ignorância, aproveitam esta sigla para se evidenciarem e justificarem as suas ambições.

Ele também o faz, mas está dividido em duas partes que lutam entre si. Um corpo que pede a satisfação dos desejos e paixões mais animais e de acordo com a natureza. Um espírito que não lhe permite essa satisfação por mais justa e natural que fosse.

Qual será o futuro dele?...

Ninguém sabe. Talvez, quando se libertar das cadeias que o prendem neste inferno, consiga realizar uma fuga premeditada para longe, muito longe, desta galáxia, destes seres asquerosos, se... não cair em alguma das muitas armadilhas a que nem um cristo conseguiria escapar.