.......................... O Comboio

 

 

Há muito, muito tempo tomei um comboio. (Um comboio para o futuro.)

Era um comboio dos tempos antigos com uma caldeira que resfolegava e uma fornalha sempre ávida. Assustei-me, não com o comboio que até achava muito interessante e até moderno para os tempos de então, mas com o fogueiro.

Era um diabo a meter sempre comida na fornalha escancarada.

Talvez influenciado pelas religiões da época que teciam ideias fantásticas em torno de um inferno onde devíamos ir parar e na ingenuidade da minha pouca idade e vivência, saí, mais fugi, num apeadeiro onde me encontro perdido.

O comboio em que aqui vim parar dirigia-se ao futuro e já levava um embrião de coisas novas, como a informática, nos seus princípios titubeantes.

Eu perdi o comboio e não tive mais coragem para apanhar outro. Também tinha medo de, se o apanhasse, seguir em direcção a um sítio para que não estava preparado.

Fui para o outro lado da linha, na vã tentativa de apanhar um que me levasse ao passado para tentar recuperar um pouco da minha inocência perdida.

Mas os comboios nessa direcção não param, não sei se vazios para um início de outra carreira, ou se apinhados com cobardes como eu que só olham para trás, sempre com medo do que lhes irá aparecer pela frente. Ou não param, talvez, porque o apeadeiro em que eu fiquei não tem grande importância e nem merece que nele parem.

Assim continuo indeciso à espera de um velho ranhoso que me diga se o comboio vai ou não para o céu. Não que eu queira para lá ir... O comboio em que eu ia, devia ir parar ao inferno. Pelo menos o fogueiro não era mais que um diabo à procura de passageiros. Fiz muito mal em sair. Agora não volta a aparecer outro igual. E era para lá que eu queria ir, pois acho que seria uma coisa justa e não há velho ranhoso nenhum que seja mais justo que eu.

Assim encontro-me no limbo, esperando um outro comboio mais moderno que me dê a certeza de ir parar onde eu quero.