..................... Versejar...

 

Muito cedo desisti de escrever qualquer coisa de jeito. Achava que um escritor tinha obrigação de ser um poeta e nas minhas poucas tentativas, não arranjei nada que tivesse alguma forma. Saiam porcarias como esta:

Um chefe dum barco
Fez falcatrua.
Foi promovido
E não foi para a rua.

Para provarem
Que era o melhor,
Puseram outro chefe
Ainda pior.

A tempestade é forte
E o barco sem norte...

O barco se afunda
Com as velas ao léu,
Mas dizem os chefes:
Nada se perdeu...

Não queria que saísse logo um poeta com a garra dum Bocage, ou a sensibilidade de um Augusto Gil, ou o sentimento de um Camões, ou a profundidade de um Pessoa, ou a acutilância de um Saramago, mas que saísse alguma coisa que tivesse algum interesse. Mas o que saiu mostrou-me que não teria jeito sequer para escrever uma carta.

Também o meu espírito coadunava-se mais com as matemáticas, onde um dia, por descuido, tirei o único vinte da minha vida, do que com as letras.

Falei numa série de escritores, génios da literatura, de um modo que até pareço uma pessoa erudita. Engano. Não li a obra completa de nenhum deles. Talvez por preguiça ou por não querer.

. De Bocage conheço a sua verve satírica e meia dúzia de poemas. O soneto em que ele se compara a Camões é sublime.

. De Augusto Gil adquiri uma obra, parece-me que em dois volumes, de que, pelo menos, tenho um onde diz: Batem leve, levemente... poema este que decorei, embora em alguns pormenores me falhe a memória.

. De Camões fui obrigado a estudá-lo na escola, o único obrigatório, e divertia-me imenso a tentar descobrir o sujeito, predicado e complementos, coisas estas que com uma maestria genial andavam sempre muito arredadas, separadas. O soneto Amor é um fogo que arde sem se ver, mexe comigo mas não consigo compreendê-lo completamente. É preciso também ter-se o dom de saber ler um poeta e eu, muitas vezes, não o tenho. Ler um poeta, ou qualquer coisa.

. De Pessoa li algumas coisas muito depressa, sem querer esmiuçá-las. Quando leio Fernando Pessoa tenho medo de escrever como sendo meu, as coisas que ele já escreveu. Uma coisa de que tenho pena é de, nos meus tempos de infância, Pessoa ser um desconhecido. A única coisa também de que tenho a certeza é de que ele não sou eu, pois nasci no princípio do mês em que ele morreu.

. De Saramago, o melhor ainda não o deu, espero eu.

Num curso que tirei, nos primórdios da informática, tive um colega que, em amena conversa comigo, me confidenciava não gostar de informática e andar só a tirar o curso por mera curiosidade. Era-lhe muito mais fácil fazer um livro. Talvez nos admirássemos mutuamente.

Mas eu tinha muita inveja dele, pois a informática para qualquer um é fácil de aprender, mas escrever um livro, mesmo que mal e porcamente necessita de um dom especial que não se aprende. Ou existe ou não existe.

Evidentemente nunca lhe disse isto.

Tentei escrever algo que me desse prazer. Mas só saíram farrapos dispersos com pouco ou nenhum valor que rapidamente deitei para o lixo.

Decididamente não tenho vocação para isso. Quando manuseio um livro vejo sempre com curiosidade o número total de páginas e fico embevecido em como é possível escrever tanto, com nexo e magistralmente. Se o livro é grande e é de poesia, então fico estarrecido.

Não. Nunca escreverei um livro mesmo muito pequeno, embora ideias não me faltem. Escrevo pequenos trechos de muito poucas folhas com o que me vem à cabeça e que, na maior parte dos casos, não são mais que grandes disparates e algo presunçosos.