SELECÇÃO DE POEMAS DE "À PORTA DE NÁRNIA" (1995)

   COSTA DE AGRE

 

Molho o pincel, a tinta fere. Um tom saloio,

um cíclame espesso e luminoso, cor das flores

que o meu pai, a minha mãe e o meu filho

olharam num maio quente, há alguns anos

 

havia favais, campos de aveia, rebentos de salgueiro

e o pobre riacho tinha água.

Que milagre, é preciso pintar os reflexos

da meia-tarde. Pinto o doirado do sol

ou dos pampilhos? Nem sei.

Os cabos de alta-tensão cavalgam pelos pinhais

avançam pelas vinhas, perdem-se por aí fora

e zunem.

 

O meu pai olhava ao longe, como sempre, pegava no olhar

e anotava estas luzes com sossego

para depois pensar. Que verde-claro!

Os pardais, uma folia; no olival,

outros pássaros perguntam

coisas que só há para lá das casas

 

a criança ia cansada, a tropeçar

na terra lavrada. Calor de citadino.

 

Na mão da minha mãe, um ramo de flores:

um pouco de funcho, rosas e tremoço,

papoilas murchas, já sabemos que murcham, e no entanto!

E ainda bordões de são José da cor excessiva,

da cor inquieta, incandescente e até parola

que acabou por ressequir-se no pincel