SELECÇÃO DE POEMAS DE "COBRA DE PAPEL" - 1997
CIDADE
O livro em viés para o raio de sol, a nódoa
na mesa de jantar. O marido
que pende estrangulado do telhado, a viola
que tange nas mãos do pensador, o brilho
na carne maltratada da vizinha, o garfo
que pica o prato azul e branco. O nó
que aperta todas as janelas, a secretária coxa
que olha em volta, o alfinete
de ama no bulício das seis horas, o tambor
nas mãos do tarata triunfante, a mescla
de céus entre os telhados, o copo
de espaços entre os bares ao fim da noite, a serpentina
errante, o cavalo que passa, o navio sequioso
de manha, a mala de viagem, a dança
à roda da garagem, a luz violeta
de certos cemitérios, o cigarro sem filtro
abandonado, o castanho sem nome. Por motivo de obras,
volto já, estarei de regresso. Ninguém
sabe onde está a campainha e o jornal, a esposa por dentro
do casaco, o santo na catedral, o cão
perdido para sempre, o grito pela rádio.