SELECÇÃO DE POEMAS DE "COBRA DE PAPEL" - 1997
FELICIDADE
"Todo o anjo é terrível."
(Rainer Maria Rilke)
As três cores essenciais: o rosa, o branco e o castanho,
assim me saem desta espátula que não explode
na música da face. Não há natal nem risos,
apagou-se o caminho que vai para outro lado.
Agora vou sempre em frente, atrás da nuvem baça do destino.
Olho o que está perdido no deserto, a murchidão das tílias:
ainda tinham flor que não chegou a abrir.
Distingue-se no chão esbranquiçado da caverna
uma espessa páscoa lajeada. O sol recurva:
tudo veio de um inverno em equilíbrio.
A luz escondeu-se atrás do mundo, morreu
o azul incendiado, o roxo
libertino, a irradiância do brilhante ou do metal
que não conhece a dor. O impoluto oiro e o seu silêncio.
Aqui, tudo geme: a fúria, o ocaso e a ventania
e escondida do futuro. Presos
entre os gritos que vêm de tão longe.
E os mortos? Cobardes mortos
que assim consentiram na derrota
que levo nos ombros, sem poisar. Mortos constantes,
irritados, que exigem pesadelos. Mortos tremendos,
incansáveis. Onde vos ponho a cicatriz?
Onde achar a luz que vos devore para sempre?
Um risco no céu traça a via inexorável
cor de cinza. Não existe fuga, apenas a armadilha
lenta da felicidade, aqui e além
guardada por anjos de alegria.
Vê-los é um fenómeno maligno da memória.