Textos

A paixão existe no espaço temporal, onde as almas vagueiam sem razão aparente. Aparente porque não há certezas. Assim, a paixão torna-se um veículo para a invenção do amor.

Toda a invenção, é o quebrar das regras e simultâneamente reinscrição de novas regras, para novamente as quebrar, entrando-se num paradoxo, o Paradoxal Human Being Theory (PHBT).

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"É possível fazer parar e guardar... um feixe de luz. Por enquanto a experiência apenas é possível em laboratório. Mas as consequências são inimagináveis".

UM LUMINOSO PASSE DE MÁGICA

David Copperfield está ao lado de uma linha de comboio. Sobre a linha, na vertical, está um painel de um tecido mágico. fino como seda. Aproxima-se um comboio a 300km/h. O que vai acontecer nos próximos segundos parece óbvio: o painel vai ser perfurado e destruído pelo monstro que se aproxima No entanto, assim que o monstro de metal toca no painel. Copperfield estala os dedos e o comboio começa a desaparecer! Em poucos segundos, todo o comboio desapareceu no interior do painel, e o seu ruído infernal foi substituído por um silêncio fantasmagórico. Onde está o comboio?

Em frente às câmaras de TV, Copperfield espera o tempo que lhe apetece. Fuma um ou dois cigarros, bebe um whisky. A certa altura decide que já chega: estala novamente os dedos e - pronto! - o comboio reemerge, a 300km/h, do painel. Para os mais cépticos, o ilusionista repete a magia com uma variação. Depois de fazer o comboio desaparecer, estala os dedos três vezes em sucessão - e de cada uma das vezes reemerge do painel, não o comboio todo, mas um conjunto de carruagens! Perante semelhante cena, qualquer pessoa julgaria tratar-se de um extraordinário acto de ilusionismo. Claro que o comboio não tinha sido parado e guardado dentro do painel: isso iria ao arrepio de toda a Física. Era um belo truque, sim senhor - mas não era a realidade.

Afirmar que a realidade ultrapassa a ficção é um lugar-comum. No entanto, neste caso é exactamente essa a situação. Com algumas diferenças: em vez de um comboio, utilizou-se um feixe de luz laser; em vez de um tecido mágico, utilizou-se um condensado de Bose-Einstein); e, principal diferença, em vez de David Copperfield os mágicos de serviço eram físicos experimentais.

O fenómeno que se evidenciou experimentalmente é tão inacreditável como o do comboio. Conseguiu-se fazer parar um feixe de luz a 300.000 km/s. ou seja, fazê-lo desacelerar para velocidade zero; guardá-lo e conservá-lo dentro um meio adequado sem alterar nenhuma das suas propriedades; e fazê-lo reemergir a 300.000 km/s (quase) com um estalar de dedos. A grande diferença em relação ao comboio é que, parafraseando o slogan de um filme infantil, desta vez a magia é real. Trata-se de um fenómeno físico real - não de um truque.

0 culpado é o suspeito do costume em todos os fenómenos físicos que desafiam a intuição: a Mecânica Quântica.

 

É possível abrandar a velocidade da luz?

Em primeiro lugar, como é possível parar a luz? Não é verdade que a Teoria de Relatividade afirma que a velocidade da luz, é constante e igual a c para todos os observadores? Esta é a parte fácil da resposta: de facto, a Relatividade afirma que a velocidade da luz no vácuo é a mesma (cerca de 300.000km/s) para todos os observadores, e é um limite superior para velocidades de propagação. Nada se pode propagar mais rapidamente do que a luz. Por outro lado, é mais ou menos evidente que, se o meio não for o vácuo, a velocidade de propagação da luz no meio pode ser menor do que c.

Pense, por exemplo, o leitor se a sua velocidade de deslocação seria igual a andar na rua ou a atravessar um rio viscoso - de mel, por exemplo!

Este fenómeno é clássico, anterior mesmo à formulação electromagnética da luz. A retracção da luz - a sua mudança de direcção ao mudar de meio de propagação, por exemplo do ar para o vidro - é precisamente devida ao facto de se propagar a velocidades diferentes em meios diferentes. A óptica electromagnética mostra que o índice de retracção é inversamente proporcional à velocidade de propagação da luz no meio.

Se é possível "abrandar" a luz em certos meios, não seria possível conceber um meio óptico em que a sua velocidade fosse muito pequena ou mesmo zero? A resposta é não: nos meios ópticos normais, um índice de refracção maior está inevitavelmente associado a maior absorção de luz (o meio é menos transparente). Aumente-se demasiado o índice de refracção e toda a luz é absorvida.

E aqui entram os mistérios da Mecânica Quântica. Durante os anos 90 foram desenvolvidas muitas novas técnicas em Óptica Quântica. A técnica essencial neste fenómeno é aquilo a que se dá o nome de Transparência Electromagneticamente Induzida (TEI) e foi desenvolvida essencialmente por Stephen Harris, de Stanford. Os trabalhos que a seguir se descrevem foram realizados por uma equipa do Rowland Instituto for Science de Cambridge (EUA) liderada por Lene V. Hau.

Imagine-se, para fixar ideias, que se dispõe de uma nuvem de alguns milhões de átomos de sódio mantidos a uma temperatura a menos de um milionésimo de grau Kelvin. Isto consegue realizar-se em laboratório utilizando, por exemplo, "armadilhas magnéticas" de forma a reduzir a agitação térmica dos átomos praticamente a zero. A estas temperaturas, todos os átomos estão no seu estado fundamental - ou seja, o meio é um condensado de Bose-Einstein.

Nestas condições, a nuvem de átomos de sódio é completamente opaca. Se a iluminarmos com um laser que corresponda a algum estado excitado, toda a luz é absorvida. E aqui vem, como nos grandes actos de ilusionismo, o primeiro truque. Se dirigirmos um segundo feixe laser (chamado laser de acoplamento) ao condensado, surge um delicado fenómeno quântico. O feixe de acoplamento interage com os átomos num processo de interferência quântica, induzindo uma sobreposição entre o estado fundamental e os estados excitados hiperfinos. O resultado é que o feixe laser original - feixe sonda - já não é absorvido.

Por outras palavras, a nuvem de sódio tornou-se transparente para o feixe sonda. O feixe de acoplamento age como uma espécie de polícia de mota que abre caminho ao carro presidencial do feixe sonda, eliminando a absorção deste.

Mas não é tudo. A estas temperaturas e densidades o índice de retracção sofre variações violentíssimas. Como resultado, uma vez eliminada a absorção, o feixe sonda propaga-se livremente no condensado a velocidades inimagináveis. Em 1998, Hau comunicou ter registado velocidades de propagação da ordem de 30 metros por segundo. Em 1999, num artigo publicado na Nature, tinha reduzido esse record para uns incríveis 17 metros por segundo. 60 km/h, mais lento do que um ciclista olímpico!

E, já em Janeiro de 2001, Hau publica novamente na Nature o seu segundo grande truque - aquele que lhe permitiu parar a luz. A ideia é um verdadeiro ovo de Colombo. Se, durante a longa travessia do condensado a esta velocidade estonteante, for desligado o feixe de acoplamento, o que acontece é que a velocidade do feixe sonda passa a ser zero. Ele não é absorvido: simplesmente ímobiliza-se de todo, devido a mais um subtil efeito quântico: o condensado e o feixe passam a constituir um sistema quântico único, chamado polaritão. E um pouco como se desaparecesse a mota da polícia e o carro presidencial ficasse mergulhado no meio da multidão: seria obrigado a parar, fará todos os efeitos, o resultado é este: a luz fica capturada no interior do condensado.

 

Desta vez a magia tomou-se realidade. E se, durante o tempo em que o sistema é estável (da ordem dos milisegundos), se voltar a ligar o feixe de acoplamento? O feixe sonda volta a ter o caminho aberto, propaga-se a 17 m/s até reemergir do condensado e, a partir daí, propaga-se normalmente à velocidade da luz no ar. Mais: Hau conseguiu criar três réplicas do feixe original, com três emissões separadas do feixe de acoplamento. Ou seja, Hau conseguiu fazer com a luz aquilo que Copperfield nunca fará com comboios: para-la, guardá-la, e dar-lhe ordem para avançar a seu bel-prazer.

Como quase todas as descobertas na investigação científica fundamental, é difícil dizer hoje exactamente para que servira conseguir parar e aprisionar a luz. No entanto, existem neste caso muitas aplicações científicas e tecnológicas de enorme potencial. Em primeiro lugar, trata-se de uma interacção altamente não-linear entre fotões e matéria. Nas palavras de Hau, este tipo de não-linearidades são o ingrediente essencial em experiências de óptica quântica como compressão óptica, medições quânticas não-destrutivas e estudos de não-localidade.

Fica ainda no ar a ideia de com este bizarro sistema se ter construído o protótipo do primeiro componente físico de um computador quântico: como Hau deixa no ar sem contudo assumir completamente, este fenómeno tanto pode permitir que um único fotão aja como swítch de uma cavidade óptica como, talvez ainda mais importante, funcionar como suporte físico da memória de um computador quântico, permitindo guardar um bit quântico (qubit).

Se isto parece ficção científica, considere-se o seguinte. O efeito transístor foi galardoado com o Prémio Nobel, em 1956. Nessa altura, haveria talvez umas centenas de computadores no mundo inteiro, um bit era processado por uma válvula módica e armazenado num elemento de memória ferromagnética - um monstro do tamanho de um punho. Se alguém dissesse a Bardeen, Brattain e Shocklev que a sua invenção seria a base de uma rede global de centenas de milhões de máquinas gráficas inimaginavelmente potentes, a reacção só poderia ser uma sonora gargalhada."

 

wolcit


 sábado, 4 de Setembro de 2004 23:34