SELECÇÃO DE POEMAS DE "À PORTA DE NÁRNIA" (1995)
NORDESTE BRASILEIRO
Ainda um dia vou escrever sobre uma praia
na costa do Nordeste.
Ainda um dia vou pensar no que pensei
estendida ao pé do mar a fazer parte do mundo.
Ainda um dia me vou arrepender
de não ter trazido os estranhos búzios que lá havia,
mas podia eu trazer o ruído do mar contra os corais?
Era um mangue sem lixo. Coqueiros
num céu que nem seria meio-dia, imortal
pela ausência de pessoas e de casas,
onde o tempo só avança com o bater do coração.
Era uma áfrica de silêncio por dentro,
brutal e desumana
Podia eu tirar fotografias? Era negar a pés juntos o milagre.
Tirar fotografias, como se eu fosse uma pessoa?
Como se eu não me tivesse transformado imediatamente
num caranguejo do mangue, num arbusto, na areia circinada pela
maré!
Tirar fotografias e olhar dias depois para a traição
brilhante?
Nunca nenhuma praia esteve tão vazia
como aquela, nunca nenhuma
custou tanto a suportar
nunca foi tão impossível dar um passo
nunca a luz caiu tão devagar
nunca o início do mundo
me apareceu assim na meia-idade
e continua lá, tenho a certeza